A Bairrada, Anadia e a Feira da Vinha e do Vinho: um território de história e sabor
A região da Bairrada, situada no coração do centro litoral de Portugal, é há séculos reconhecida pela sua forte ligação à vitivinicultura e à produção de alguns dos melhores vinhos portugueses.
A Bairrada distingue-se no panorama vitivinícola nacional pelas suas castas autóctones, que conferem aos vinhos da região um perfil singular e inconfundível. Entre as tintas, a Baga é a rainha indiscutível das vinhas bairradinas.
Esta casta, exigente no cultivo, dá origem a vinhos de cor intensa, estrutura firme, excelente potencial de envelhecimento e uma notável capacidade de expressar o terroir da região.
Os tintos de Baga são reconhecidos pelas notas de frutos vermelhos e silvestres, taninos vivos e acidez equilibrada, características que lhes conferem grande longevidade.
Entre as castas brancas, a Maria Gomes (também conhecida como Fernão Pires noutras regiões) e a Bical assumem especial relevância. A Maria Gomes contribui com aromas florais e frutados exuberantes, enquanto a Bical traz frescura e mineralidade, essenciais para a elaboração dos prestigiados espumantes da Bairrada.
Outras castas como Cercial, Arinto e, em menor escala, Chardonnay (introduzida mais recentemente) são também utilizadas, em particular na produção dos espumantes de qualidade superior.
Espumante da Bairrada: tradição com mais de um século
A produção de espumantes na Bairrada tem raízes que remontam ao final do século XIX, sendo um capítulo incontornável na história do vinho português. Foi em 1890 que o empresário e visionário Rótulo João Alexandre de Almeida, inspirado pelo prestígio dos vinhos espumantes de Champagne, em França, introduziu na Bairrada o método clássico (ou champanhês) de produção de espumante, lançando as bases para o que viria a tornar-se uma das maiores tradições vinícolas da região.
A escolha da Bairrada para esta aposta não foi ao acaso: os solos argilo-calcários, o clima temperado e húmido e a acidez natural das castas locais, sobretudo da Bical e da Maria Gomes, criavam as condições ideais para a produção de espumantes de qualidade, com frescura, fineza e capacidade de envelhecimento.
Ao longo do século XX, a produção de espumante na Bairrada consolidou-se, tendo conhecido um grande impulso na década de 1930, com o reconhecimento oficial das primeiras marcas e a criação de casas especializadas.
Hoje, a Bairrada é reconhecida como a principal região produtora de espumante natural em Portugal, com uma reputação internacional crescente. Os espumantes da Bairrada, sejam brancos, rosés ou tintos, continuam a ser elaborados maioritariamente pelo método clássico, mantendo viva a tradição iniciada há mais de 130 anos.
A cidade de Anadia, muitas vezes apelidada de “capital da Bairrada”, está intimamente ligada ao mundo do vinho português.
Além de ser um centro de comércio e cultura, Anadia é também a casa do Museu do Vinho da Bairrada, espaço emblemático que preserva e divulga o património vitivinícola da região.
É neste contexto que se insere a Feira da Vinha e do Vinho, evento anual que celebra o vinho e as tradições da região.
Uma experiência na Feira da Vinha e do Vinho
Tendo já visitado Anadia anteriormente, durante o evento dedicado ao espumante — o Millésime —, e tendo ficado muito satisfeito com a experiência, decidi regressar para conhecer a Feira da Vinha e do Vinho, um dos eventos de vinho na Bairrada.
Logo à entrada na cidade, deparei-me com árvores decoradas de forma criativa, verdadeiras obras de arte que transformaram as ruas numa galeria ao ar livre e criaram, de imediato, um ambiente festivo.
Este colorido corredor contribuiu para um estado de espírito ainda mais alegre à chegada ao recinto do evento.
Estacionei sem dificuldades, pois a organização teve o cuidado de disponibilizar parques adicionais para acolher os visitantes.
Após adquirir o bilhete de entrada, por 3 euros, iniciei a visita ao recinto da feira.
Comparando com o Millésime, a Feira da Vinha e do Vinho revelou-se um evento de outro formato — muito maior em dimensão, com duas áreas de palco e uma grande diversidade de espaços de restauração, desde pequenas tasquinhas a tendas com propostas gastronómicas mais elaboradas.
Para além do vinho, estavam representados diversos setores da economia local: imobiliário, vestuário, calçado, tecnologia e serviços, como clínicas veterinárias, clubes desportivos e instituições de ensino.
O ambiente vibrante e a variedade de expositores tornaram o passeio pelo recinto uma descoberta contínua, como se poderá comprovar em vídeos e fotografias do evento.
Na área dedicada aos produtores de vinho, os visitantes tinham oportunidade de adquirir um copo e participar em provas dos vinhos da região — em particular dos apreciados vinhos da Bairrada.
Além dos vinhos, destaque para uma sangria original, feita com espumante da região. Refrescante e leve, revelou-se uma excelente escolha para os dias quentes, proporcionando uma experiência agradável e uma visão mais colorida do mundo à volta, como se os olhos captassem os reflexos dos finos cordões de bolhas do espumante.










Aproveitei a oportunidade para revisitar o Museu do Vinho da Bairrada, situado a cerca de 15 minutos a pé do recinto da feira.
Percorrendo as suas frescas salas e exposições, voltei a refletir sobre o trabalho árduo por detrás de cada garrafa: desde a plantação da vinha até ao engarrafamento do vinho português.
Não pude deixar de pensar na discrepância entre o valor de mercado de muitos vinhos — vendidos por 2 ou 3 euros — e o imenso esforço envolvido na sua produção.
Isso levou-me, uma vez mais, a ponderar sobre como os produtores de vinho poderão investir na melhoria das vinhas, em inovação e em equipamentos, se os preços não refletirem o verdadeiro valor do produto.
Valorizar o vinho e quem o produz
A Feira da Vinha e do Vinho é uma ocasião para saborear e apreciar o melhor da Bairrada. Os vinhos da Bairrada são de elevada qualidade e devem ser reconhecidos como tal, não apenas pela sua história e tradição, mas também pelo trabalho e dedicação de quem os produz. É importante que os consumidores se habituem à ideia de que o vinho bom deve ter um preço justo, que permita aos produtores investir e continuar a oferecer o que de melhor Portugal tem para dar. Como sabiamente diz o provérbio português: “Quem planta vinhas, colhe alegrias.”