Já referi anteriormente que a exposição Simplesmente Vinho, no Porto, destaca-se pela presença de muitos vinhos produzidos com intervenção mínima – não filtrados, sem aditivos e o mais naturais possível.
Esta abordagem enológica tem vindo a afirmar-se como uma tendência clara, refletindo a crescente procura por alimentos e bebidas mais autênticas e sustentáveis.
Entre os vinhos que experimentei no evento, um rótulo chamou-me particularmente a atenção: um vinho biológico que se revelou uma agradável surpresa.
Esse vinho é o Vinho Branco 2022 Comenda de Ansemil, proveniente de uma das regiões vitivinícolas de Portugal – Lafões.
A Região de Lafões
Localizada no extremo ocidental da Beira Central, Lafões é uma sub-região natural delimitada pelos vales do curso médio do Rio Vouga e dos seus afluentes, Sul e Ribamá, que confluem nas proximidades de São Pedro do Sul.
Embora mantenha uma unidade geográfica bem definida, Lafões exibe uma paisagem variada. Em alguns pontos, os socalcos fazem lembrar as encostas do Douro, enquanto outras áreas evocam a vegetação luxuriante do Minho. Aqui e ali, persistem vestígios da “vinha de enforcado”, um método tradicional de condução da videira.
Vinhos de Lafões
Os vinhos brancos desta região são leves, frutados e apresentam uma acidez vincada, muitas vezes acompanhada por um ligeiro desprendimento de gás – a chamada “agulha”. Já os tintos, também dotados de uma acidez fixa elevada, são reconhecidos pelo seu grande potencial de envelhecimento.
A produção vinícola em Lafões tem raízes seculares, mas foi apenas no início do século XX que os seus vinhos ganharam notoriedade, beneficiando do reconhecimento das suas características particulares, influenciadas pelo terroir e pelo saber dos produtores locais.
Curiosamente, o nome “Lafões” tem origem árabe e significa “dois irmãos”, uma referência a dois montes da região, atualmente conhecidos como Castelo e Lafões.
O Vinho Branco 2022 Comenda de Ansemil
Produzido na Quinta da Comenda, este vinho biológico apresenta características que merecem ser exploradas. O rótulo assinala a certificação biológica, uma distinção que implica o cumprimento de rigorosos critérios de produção.
Segundo o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), os vinhos biológicos obedecem a normas específicas, tais como:
- Proibição do uso de ácido sórbico e de processos de dessulfuração;
- Redução obrigatória do teor de sulfitos em 30-50 mg/L face aos vinhos convencionais, dependendo do teor de açúcares residuais;
- Utilização exclusiva de uvas provenientes de agricultura biológica, conforme estipulado pelo Regulamento n.º 834/2007.
A garrafa apresenta-se de forma elegante, com um fecho natural em cortiça, sem a habitual cápsula plástica que se encontra em tantas garrafas de vinho.
Um detalhe que reforça a identidade artesanal e sustentável deste produto.
Prova
Ao abrir a garrafa, o vinho revelou-se de imediato fácil de servir, com uma rolha de boa qualidade que não se desfaz.
O primeiro impacto foi o aroma frutado, que se espalhou no ar, prometendo uma experiência sensorial interessante.
O tom do vinho é amarelo quente, ligeiramente dourado, transmitindo uma sensação de frescura e maturidade.
Na boca, a prova confirmou as expectativas: sabor agradável, com uma acidez equilibrada, que recorda os Vinhos Verdes, mas sem a característica gaseificação. Um dos aspetos mais curiosos deste vinho é a sensação de calor que deixa na garganta, apesar do seu teor alcoólico relativamente moderado (13% vol).
Não sou apreciador de descrições demasiado técnicas sobre vinhos – termos como “acidez”, “taninos” ou “adstringência” parecem-me, por vezes, demasiado redutores.
Prefiro recorrer a associações mais sensoriais e emocionais para descrever a experiência da prova.
Se tivesse de traduzir este vinho numa imagem, diria que é como um beijo fresco e sincero de uma jovem apaixonada – inesperado, envolvente e cheio de autenticidade.
Portugal continua a surpreender-me com a sua diversidade vinícola.
Há sempre novos rótulos para descobrir, novos momentos para viver e, felizmente, muitos vinhos para celebrar.
E a nossa jornada pelo mundo dos vinhos portugueses está longe de terminar. Saúde!
Viachaslau