Nos últimos cinco anos, o setor vinícola português tem enfrentado um cenário comercial internacional em mutação, marcado por disputas tarifárias e acordos comerciais que afetam diretamente as exportações de vinho.
As tarifas aduaneiras impostas fora da União Europeia (UE) – em particular pelos Estados Unidos – têm sido um fator crucial na competitividade do vinho português no mercado global.
Vamos avaliar os possíveis impactos de tarifas futuras extraordinariamente altas, como a tarifa de 200% sobre vinhos europeus recentemente mencionada por Donald Trump.
Vamos ver se estima a probabilidade de tal tarifa ser efetivamente aplicada ou não.
Tarifas e Encargos nas Exportações de Vinho Português para os EUA
Estados Unidos: Os vinhos portugueses exportados para os EUA estão sujeitos a uma tarifa aduaneira base muito baixa.
O regime de Nação Mais Favorecida (NMF) dos EUA para vinhos aplica uma taxa fixa de $0,063 por litro (cerca de 6,3 cêntimos de dólar por litro) em vinhos engarrafados. Este valor é equivalente a menos de 1% do preço típico de uma garrafa (por exemplo, adiciona apenas ~$0,05 ao custo de uma garrafa de $20).
Além da tarifa aduaneira, os EUA cobram um imposto federal de consumo (excise tax) sobre o vinho, que incide tanto sobre produtos nacionais quanto importados – por exemplo, cerca de $1,07 por galão (3,785 L) para vinhos tranquilos até 14% vol. álcool – mas este não é um encargo específico para vinhos portugueses, e sim uma taxa interna uniforme.
Importa notar que, entre outubro de 2019 e junho de 2021, vigorou nos EUA uma sobretarifa de 25% sobre vinhos de alguns países da UE em retaliação ao caso Airbus/Boeing.
No entanto, os vinhos portugueses ficaram isentos dessa tarifa de 25%, que se aplicou principalmente a vinhos de França, Alemanha, Espanha e Reino Unido.
Em 2021, EUA e UE acordaram a suspensão dessas tarifas por cinco anos, reduzindo tensões tarifárias no setor vinícola. Atualmente, portanto, os vinhos portugueses entram nos EUA com apenas a tarifa base mínima mencionada e a tributação normal de consumo.
A tabela abaixo resume exemplos de tarifas aduaneiras em alguns destinos-chave extra-UE:
Destino | Tarifa de Importação aplicada ao Vinho Português | Observações (outros encargos) |
---|---|---|
EUA | ~$0,063/L (≈0,5% ad valorem) | Tarifa base muito baixa; 2019-21: sobretaxa 25% (Portugal isento); Imposto interno federal por grau alc. (igual para nacionais e importados) |
Reino Unido | 0% | Comércio livre de tarifas pós-Brexit (Acordo UE-RU); Impostos internos (excise) por teor alcoólico aplicados uniformemente |
Brasil | 27% ad valorem | + Impostos internos (ICMS, IPI ~10%, PIS/COFINS); Carga total estimada ~80% do valor |
Canadá | 0% | Tarifa eliminada via CETA (desde 2017); Monopólios provinciais adicionam margens e taxas internas |
China | 14% ad valorem | + Imposto consumo 10% + IVA 13%; Carga total ~48% (sem retaliações) |
Japão | 0% | Tarifa eliminada via APE UE-Japão (2019) Imposto consumo interno ~8% (IVA japonês) |
Índia | 150% | Tarifa NMF muito elevada + impostos internos estaduais, quase bloqueando importações |
Tabela 1: Exemplos de tarifas de importação e encargos para vinhos portugueses em mercados extra-UE (informações referem-se a 2023-2024, considerando acordos em vigor). Fontes: dados USTR/OMC, acordos comerciais e imprensa especializada.
Efeito das Tarifas nas Exportações de Vinhos Portugueses
Crescimento global das exportações: Apesar de alguns choques tarifários internacionais, as exportações de vinho português cresceram de forma geral nos últimos cinco anos. Em 2018, o valor das exportações situava-se na casa dos €800 milhões; em 2022 atingiu um recorde histórico de €941,5 milhões (representando 41% do valor da produção vinícola nacional), e em 2023 fecharam ligeiramente abaixo disso (cerca de €928 milhões, -1,4% face a 2022).
Em termos de volume, Portugal exporta por ano entre 300 e 330 milhões de litros de vinho (por exemplo, 319 milhões de litros em 2023). Isso faz de Portugal um dos 10 maiores exportadores mundiais de vinho em volume
Principais destinos e repartição UE & extra-UE: Tradicionalmente, mais de metade das exportações de vinho português destinam-se à UE. Em 2019/20, cerca de 55% das exportações tiveram como destino os países da UE (incluindo, na época, o Reino Unido), enquanto 45% foram para fora da UE.
Os principais mercados individuais do vinho português incluem França, EUA, Reino Unido, Brasil, Países Baixos.
Nos últimos anos, a fatia extra-UE mostrou tendência de crescimento: mercados como EUA, Brasil, Canadá e Reino Unido (já fora da UE) têm ganhado peso relativo, enquanto alguns mercados intra-UE estagnaram ou recuaram ligeiramente (caso de França e Alemanha em 2022-2023).
Impacto das tarifas dos EUA (2019-2021): A imposição pelos EUA, em outubro de 2019, de uma tarifa extra de 25% sobre vinhos tranquilos de vários países europeus (como medida retaliatória no contencioso Boeing-Airbus) teve um efeito indireto e benéfico para Portugal.
Como mencionado, os vinhos portugueses não foram abrangidos por essa tarifa adicional. Assim, enquanto as exportações francesas de vinho para os EUA caíram a pique, as portuguesas conseguiram manter-se e até crescer. De facto, nos primeiros meses de 2020, as importações norte-americanas de vinho francês caíram 54% em volume em comparação com o ano anterior (e as de vinhos alemães caíram 42%) devido à sobretaxa de 25%.
Em contraste, os vinhos portugueses (isentos da tarifa) tornaram-se relativamente mais competitivos em preço nos EUA, ajudando a sustentar as vendas. Durante a campanha 2019/2020, as exportações portuguesas de vinho para os EUA aumentaram 10% em valor, atingindo $106 milhões.
Em síntese, o impacto concreto das tarifas sobre o desempenho exportador do vinho português, no período 2019-2024, variou conforme o mercado: nos EUA, a isenção da tarifa de 25% sobre concorrentes europeus deu a Portugal uma janela de oportunidade para crescer.
Projeção de Impacto Económico de uma Tarifa de 200% nos EUA
Em março de 2025, o Presidente dos EUA Donald Trump – ameaçou publicamente impor uma tarifa de 200% sobre todos os vinhos, champanhes e bebidas alcoólicas importados da União Europeia.
Trata-se de uma tarifa extraordinariamente alta, quadruplicando o preço dos produtos afetados (já que um imposto de 200% adiciona o dobro do valor em taxas).
Para dimensionar o potencial impacto económico dessa medida no setor vinícola português, consideramos dois cenários: (a) aplicação integral da tarifa de 200% sobre vinhos portugueses exportados para os EUA; (b) retaliações e efeitos colaterais resultantes dessa medida.
Efeito direto da tarifa de 200%: Por exemplo, um vinho que saia de Portugal a €5 por garrafa (preço FOB) e normalmente chegasse ao consumidor americano por $15 (incluindo margem do importador, transporte e impostos atuais) poderia passar a custar cerca de $45 apenas com a adição da tarifa de 200%.
Esse nível de sobretaxa teria um efeito dramático na procura, tornando os vinhos europeus virtualmente proibitivos para o consumidor médio nos EUA.
Embora possa haver alguma inelasticidade para rótulos de luxo (um consumidor abastado talvez aceite pagar €300 em vez de €100 por um vinho famoso). Mas maioria dos vinhos portugueses posicionados no segmento médio ($10-$30) perderia quase toda a competitividade face a alternativas locais ou de outros países não atingidos.
Para ter uma referência, podemos olhar para episódios passados: quando a China impôs tarifas combinadas de ~80% sobre vinhos australianos em 2020 (em retaliação política), as importações de vinho da Austrália na China despencaram 97% em volume no ano seguinte.
Se, hipoteticamente, a tarifa de 200% perdurasse por um ano inteiro, poderíamos projetar aproximadamente:
- Volume exportado para EUA: redução de ~23 milhões de L para talvez 2-4 milhões de L (queda de 80-90%), mantido apenas por vendas residuais de vinhos ícones ou encomendas muito específicas.
- Valor exportado para EUA: redução de €102M para cerca de €10-20M, pois as poucas vendas restantes poderiam ser a preços muito altos (vinhos de nicho) mas mesmo esses dificilmente compensariam o colapso. Isso representa uma perda direta de ~€80-90 milhões em receita de exportação anual para Portugal.
- Redirecionamento parcial: Parte desse vinho poderia ser redirecionada para Canadá, Brasil, ou mercados asiáticos. No melhor caso, talvez 20-30% do volume pudesse ser absorvido por outros países através de esforços comerciais intensivos, mas provavelmente com margens menores. Ainda assim, isso não evitaria uma perda líquida grande.
- Impacto no preço médio global de exportação: Tendencialmente cairia, pois uma parcela considerável de vinhos de gama média/alta deixaria de ser vendida (o mix de exportação passaria a ter mais mercados emergentes ou UE, onde os preços são ligeiramente inferiores ao mercado americano). Poderia haver uma queda de alguns cêntimos no preço médio por litro exportado globalmente para Portugal devido a essa mudança de mix.
- Emprego e produção: As adegas orientadas para exportação aos EUA possivelmente teriam que reduzir produção no ano seguinte (evitar acumular excedentes) e isso afetaria empregos sazonais nas vindimas e operações de engarrafamento. Estimativas grosso modo indicam que cada €1M exportado sustenta algumas dezenas de empregos diretos e indiretos na fileira; logo, €90M a menos poderiam ameaçar várias centenas de empregos ao longo da cadeia (vinha, adega, logística, distribuição).
Resumindo, a aplicação de tarifas de 200% pelos EUA sobre os vinhos portugueses teria um impacto económico fortemente negativo, equivalente a praticamente fechar o segundo maior mercado externo do vinho português.
O setor vinícola ver-se-ia obrigado a buscar refúgio em mercados alternativos (por exemplo, tentar vender mais na Ásia ou reforçar Europa), geralmente aceitando preços menores, o que comprimiria rendimentos. A longo prazo, isso poderia inclusive desencorajar investimentos na produção orientada à exportação.
Probabilidade de Cumprimento da Ameaça
A ameaça de Donald Trump impor tarifas de 200% aos vinhos europeus levanta a questão: quão provável é que tal promessa se concretize?
Para responder, é preciso considerar (a) o histórico de Trump no cumprimento de promessas e ameaças comerciais e (b) o contexto político-económico atual das relações EUA-UE que pode facilitar ou travar essa ação.
Histórico de promessas e ameaças de Trump: Durante o seu mandato presidencial (2017-2021), Trump notabilizou-se por uma postura agressiva em matéria comercial, usando frequentemente a ameaça de tarifas elevadas como instrumento de negociação (“tariff man”, como se autodenominou). No entanto, nem todas as ameaças foram efetivadas.
Algumas promessas de campanha foram cumpridas, mas muitas não. De acordo com análises do PolitiFact e Poynter Institute, Trump concluiu plenamente cerca de 25% das promessas que fez na campanha de 2016, comprometeu-se parcialmente em ~25%, e não cumpriu aproximadamente 50%.
Especificamente na frente comercial, o padrão de Trump foi cumprir algumas ameaças, adiar ou recuar noutras.
Contexto atual das relações EUA-UE (2025): A ameaça dos 200% surgiu em resposta a um plano da UE de taxar whiskey americano em 50%
Estamos, portanto, diante de um escalonamento retórico numa disputa comercial reativada.
Estimativa probabilística: Tendo em vista os pontos acima, podemos estimar de forma fundamentada a probabilidade de Trump efetivamente implementar a tarifa de 200% sobre vinhos europeus. Considerando o seu histórico, existe sim um risco não desprezível – Trump já surpreendeu antes aplicando tarifas impopulares (caso do aço sobre aliados).
Assim, atribuiríamos uma probabilidade moderada-baixa, na ordem de ~20% a 30%, de que a tarifa de 200% seja realmente implementada. Em termos numéricos, poderíamos apontar cerca de 25% de probabilidade de Trump levar adiante a ameaça nos próximos meses, contra 75% de probabilidade de que não se concretize (seja porque um acordo foi alcançado ou porque a pressão contrária o dissuadiu).
É importante frisar que essa probabilidade não é estática: mudará conforme evoluam as negociações entre EUA e UE. Se a UE avançasse mesmo com a tarifa ao whiskey e Trump se sentisse politicamente compelido a responder duro, a probabilidade subiria. Por outro lado, sinais de compromisso mútuo a curto prazo praticamente anulariam a chance da tarifa de 200% ocorrer.
A ameaça de uma tarifa de 200% pelos EUA surge, porém, como um possível ponto de inflexão perigoso. Se concretizada, causaria perdas severas e abruptas ao setor – uma queda de até €100 milhões anuais nas exportações e consequências em toda a cadeia produtiva portuguesa de vinho.
A análise indica que, embora essa ameaça tenha fundamento (dada a retórica agressiva de Trump), a sua efetivação não é o desfecho mais provável, pois enfrenta contrapesos políticos e económicos significativos. Estimámos em torno de 25% a chance de cumprimento da promessa, esperando que prevaleça uma solução negociada que evite esse choque tarifário.
A análise baseia-se em dados factuais de fontes estatísticas (INE, Eurostat), relatórios de comércio (USTR, Wine Institute) e notícias económicas recentes.
Referências
- Associação Interprofissional do Vinho (ViniPortugal) – Relatórios estatísticos de exportação 2019-2024viniportugal.ptviniportugal.pt.
- Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) – Dados do comércio externo do vinho português (INE/Eurostat)acibev.ptapps.fas.usda.gov.
- USTR/OMC – Tabelas de tarifas NMF e acordos comerciaisorigins.wineeu-japan.eu.
- Wine Origins Alliance – Trade Barriers in Wine (2021)origins.wineorigins.wine.
- AP News – Declarações de Donald Trump (13/03/2025) ameaçando tarifas de 200%econews.pttheportugalnews.com.
- Reuters – Cobertura da ameaça tarifária e reações de mercadoreuters.comreuters.com.
- Sábado/Lusa – Declarações da ViniPortugal sobre impacto de tarifassabado.ptsabado.pt.
- Axios – Efeito das tarifas de 25% de 2019 nas importações de vinho francês e alemãoaxios.com.
- Wine Institute/USDA – Impacto das tarifas chinesas sobre vinhos dos EUA (2018)origins.wine.
- Bloomberg Linea – Exportadores europeus antecipando tarifas (Fev.2025)bloomberglinea.com.br.
- Politifact/Poynter – Análise do cumprimento de promessas de Trumppoynter.org.
- Reuters – Trump shelved car tariffs in 2019 (auto tariffs threat not enacted)reuters.com.
- Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) – Relatórios de consumo e produção mundiaisapps.fas.usda.govapps.fas.usda.gov.
- Estudos ACIBEV/Nova SBE – Importância económica do setor do vinho (2022)acibev.pt.