O vinho é uma das bebidas mais citadas na Bíblia, aparecendo em diversos contextos que vão desde cenas cotidianas até rituais religiosos e metáforas espirituais. Na cultura bíblica antiga, especialmente no Oriente Médio, o vinho fazia parte integrante da dieta e das festividades, simbolizando alegria, bênção e abundância.
Por outro lado, o uso excessivo do vinho também recebe fortes advertências nos textos sagrados. “No vinho está a verdade”, diz o provérbio, e de facto as escrituras revelam muito sobre a relação entre o ser humano, a espiritualidade e essa bebida milenar.
Neste artigo, faremos um levantamento completo de todas as citações da palavra “vinho” na tradução Bíblia Para Todos – Edição Comum (BPT), contextualizando cada referência de forma acessível.
Frequência do termo “vinho” na Bíblia
A palavra “vinho” aparece várias centenas de vezes nos textos bíblicos. No Antigo Testamento, o termo é muito frequente, ocorrendo aproximadamente 150 vezes, enquanto no Novo Testamento ocorre em torno de 30 a 40 vezes (dependendo da tradução exata).
Ou seja, mais de 80% das referências encontram-se nas escrituras hebraicas (AT), refletindo a importância agrícola, social e religiosa da vinha na cultura de Israel.
O Novo Testamento, por sua vez, mesmo com menos ocorrências, contém episódios emblemáticos envolvendo o vinho – desde o primeiro milagre de Jesus até ensinamentos sobre vinhos novos e velhos. Essa diferença de frequência também se deve ao facto de o AT cobrir um período histórico muito amplo (milênios de história israelita), enquanto o NT se concentra num período menor (a vida de Jesus e primeiras comunidades cristãs).
Em todo caso, a forte presença do vinho em ambos os Testamentos indica seu peso cultural e simbólico. A seguir, exploraremos detalhadamente cada citação bíblica com “vinho”, agrupando-as por categorias de uso para melhor compreensão.
Consumo cotidiano e uso literal do vinho
Nesta categoria estão os versículos em que o vinho é mencionado como bebida literal, consumida no quotidiano ou em ocasiões festivas, sem conotação ritual direta.
Tais passagens mostram o vinho como parte da alimentação, hospitalidade ou acontecimentos da vida diária na antiguidade bíblica.
Noé e a embriaguez após o Dilúvio: Logo após sair da arca, Noé torna-se agricultor e planta uma vinha. Gênesis relata que “Noé foi agricultor e o primeiro a cultivar a vinha. Certa ocasião bebeu vinho, ficou bêbedo e despiu-se completamente dentro da sua tenda”.
Aqui o vinho é usado de forma literal e excessiva – Noé embriaga-se, o que leva a uma situação constrangedora com seus filhos (Cam vê a nudez do pai, enquanto Sem e Jafé o cobrem respeitosamente).
Culturalmente, esse episódio (Génesis 9:20-21) mostra já nos primórdios pós-diluvianos o cultivo da uva e a produção de vinho. O fato de Noé ter sido o “primeiro a plantar uma vinha” sugere a importância dada à videira.
Historicamente, o vinho era apreciado, mas este versículo ilustra claramente os efeitos da embriaguez – uma falta de sobriedade que resultou em vergonha. Trata-se, portanto, de um uso literal do vinho como bebida fermentada, com consequências negativas devido ao abuso.
Melquisedec e o banquete de pão e vinho: Num contexto mais positivo, o vinho aparece associado à hospitalidade e comunhão. Quando Abrão retorna de uma batalha vitorioso, é recepcionado pelo sacerdote-rei Melquisedec.
Diz a Escritura: “Também Melquisedec, rei de Salém, que era sacerdote do Deus altíssimo, se apresentou levando consigo pão e vinho” e abençoou Abrão (Génesis 14:18).
Literalmente, Melquisedec ofereceu pão e vinho – alimentos básicos – possivelmente para restaurar as forças de Abrão e celebrar a vitória.
Historicamente, o pão e o vinho juntos eram símbolos de hospitalidade e bênção divina. Alguns estudiosos veem aqui um significado simbólico antecipado (uma prefiguração do pão e vinho da ceia sagrada), mas no contexto imediato é um uso cerimonial porém não ritualístico obrigatório – Melquisedec usa o vinho de forma literal para honrar Abrão, num gesto de generosidade e reverência a Deus pela vitória obtida.
Isaac e o vinho servido por Jacó: Em Génesis 27, temos um exemplo do vinho fazendo parte de uma refeição importante.
O idoso Isaac, enganado por Jacó que busca receber a bênção do primogénito, pede comida de caça e vinho. Jacó serve-lhe a refeição: “Ele (Jacó) trouxe-lhe a comida e o pai comeu; trouxe-lhe também vinho, e ele bebeu” (cf. Génesis 27:25).
O uso aqui é literal e cotidiano, inserido no contexto de uma bênção familiar. Historicamente, um bom vinho acompanhando a carne era sinal de uma refeição honrada – Isaac pretendia abençoar Esaú após um banquete, mas Jacó se antecipa.
O vinho, portanto, aparece no cenário de uma refeição familiar solene, evidenciando os costumes alimentares da época, em que vinho era frequentemente servido aos patriarcas em momentos marcantes.
Referências em histórias de hospitalidade: Vários outros episódios do Antigo Testamento mencionam odres de vinho oferecidos ou consumidos em situações de hospitalidade.
Por exemplo, quando o profeta Samuel unge Saul como primeiro rei de Israel, ele profetiza que Saul encontrará viajantes trazendo ofertas: “Um deles leva três cabritos, outro leva três pães e o terceiro um odre de vinho”
(1 Samuel 10:3). De fato, Saul encontra esses homens e recebe pão e vinho para a jornada. Aqui o vinho tem uso literal, como provisão para viagem e gesto de cortesia.
Outro caso: Abigail, ao apaziguar a ira de Davi contra seu esposo Nabal, leva consigo pães, ovelhas preparadas e vinho: “Então Abigail apressou-se… tomando consigo duzentos pães, duas vasilhas de vinho, cinco ovelhas preparadas…” (1 Samuel 25:18).
Novamente, vinho literal como alimento e oferta pacificadora. Esses exemplos refletem o costume oriental de enviar vinho junto com outros víveres a quem se queria honrar ou socorrer. Levar vinho num odre era equivalente a oferecer o melhor da casa em hospitalidade.
O vinho nas festas e banquetes:
O consumo de vinho está ligado a festas nas narrativas bíblicas. Um exemplo trágico é Nabal, o marido insensato de Abigail, que “deu em sua casa um banquete de rei; Nabal estava alegre e completamente bêbedo” (1 Samuel 25:36).
Embora o texto BPT não cite explicitamente a palavra “vinho” aqui, a descrição deixa claro que a embriaguez de Nabal se devia ao vinho servido em abundância em sua festa.
Já em contextos reais, como nas cortes persas, o vinho também marcava presença: no livro de Ester, o rei Xerxes oferece um banquete onde “as bebidas eram servidas em taças de ouro, e o vinho real corria em abundância” (Ester 1:7). Esses casos demonstram o uso literal festivo do vinho, típico em celebrações da época.
Culturalmente, dispor de muito vinho numa festa era sinal de riqueza e alegria. Contudo, a Bíblia não oculta que esse excesso podia turvar o juízo (como aconteceu com Nabal).
Uso medicinal do vinho:
Curiosamente, o vinho também aparece como remédio caseiro na Bíblia. Na parábola do bom samaritano, contada por Jesus, o viajante samaritano trata os ferimentos do homem assaltado aplicando “azeite e vinho” nas feridas (Lucas 10:34).
O versículo diz que ele “fez curativos, tratando as feridas com azeite e vinho”, antes de transportar o ferido para uma hospedaria.
Era um uso literal medicinal: devido às propriedades anti-sépticas do álcool, o vinho servia para limpar feridas, enquanto o azeite aliviava a dor.
Historicamente, isso está de acordo com as práticas médicas da antiguidade – o vinho funcionava como desinfetante rudimentar.
No Novo Testamento, o apóstolo Paulo também recomenda um pouco de vinho a Timóteo por motivos de saúde: “Não bebas só água; bebe também um pouco de vinho por causa do teu estômago e das tuas frequentes doenças” (1 Timóteo 5:23).
Vemos, pois, que o vinho era considerado benéfico em pequenas doses terapêuticas, algo equivalente a um tónico estomacal.
Milagre de Jesus nas Bodas de Caná:
Nenhum panorama do uso cotidiano do vinho estaria completo sem mencionar Jesus transformando água em vinho numa festa de casamento (João 2:1-11). Nesse que foi o primeiro milagre de Jesus, em Caná da Galileia, o vinho tem um papel central e literal – a certa altura “acabou-se o vinho” da festa, e Jesus converteu grandes talhas de água no “melhor vinho”, para surpresa do mestre-sala.
O contexto é claramente social e festivo: um casamento onde o vinho novo representa alegria renovada e abundância trazida por Jesus.
Historicamente, casamentos judeus duravam vários dias e o vinho era essencial para o júbilo dos convidados; ficar sem vinho seria uma vergonha para os noivos.
Ao prover vinho em abundância (cerca de 600 litros, segundo o relato), Jesus não apenas salva a festa do constrangimento, mas também manifesta sua glória de forma simbólica (como veremos adiante).
Em termos literais, porém, este milagre confirma que o vinho servido nas bodas era fermentado e apreciado – pois o mestre de cerimónias elogia a qualidade do produto.
Esse episódio ilustra a visão bíblica de que o vinho, quando usado moderadamente em celebrações legítimas, é símbolo de alegria e bênção de Deus.
Uso ritual e religioso do vinho
Nesta categoria, reunimos os versículos em que o vinho figura em práticas religiosas, cerimónias sagradas ou preceitos divinos.
Isso inclui tanto ofertas de vinho nos sacrifícios prescritos pela Lei, quanto rituais simbólicos (como a última ceia de Jesus). Veremos também casos de abstinência ritual (votos e leis proibindo vinho em certas situações). Nesses contextos, o vinho ultrapassa o mero alimento – torna-se parte do culto ou marcador de consagração.
Ofertas e libações de vinho na Lei de Moisés: A Lei mosaica incorporou o vinho nas ofertas do Templo.
O povo de Israel devia apresentar, junto com sacrifícios animais e de cereais, porções de vinho derramado como libação.
Em Êxodo, por exemplo, ao instituir a consagração dos sacerdotes, Deus ordena: “Com o primeiro cordeiro ofereça… um litro de vinho como oferta derramada. Ao entardecer, oferecerás o segundo cordeiro, acompanhado de uma oferta de farinha e de vinho como de manhã”
(Êxodo 29:40-41).
Ou seja, todos os dias se oferecia vinho no santuário – pela manhã e ao entardecer – junto com os holocaustos contínuos. Também nas festas solenes, a Lei prescreve medidas de vinho a serem derramadas no altar (cf. Números 28:7, “oferta de vinho ao Senhor”).
O vinho, nesse uso ritual, era um símbolo de dedicação e alegria perante Deus, derramado em honra d’Ele.
Historicamente, culturas antigas costumavam derramar vinho nos altares das divindades como sinal de oferenda preciosa (já que o vinho era fruto valioso da terra).
No caso de Israel, o vinho derramado expressava gratidão pela colheita e pedidos de bênção – a libação completava o sacrifício como aroma agradável a Deus.
Importante notar: embora o vinho fosse oferecido sobre o altar, os sacerdotes e ofertantes também podiam desfrutar de parte das ofertas em contextos sagrados (exceto em alguns sacrifícios específicos).
A Última Ceia e a Nova Aliança:
Na narrativa dos Evangelhos, durante a ceia pascal com seus discípulos, Jesus conferiu ao vinho um significado profundamente simbólico e ritual.
Tomando um cálice, ele declarou: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vós” (Lucas 22:20).
No evangelho de Mateus, Ele afirma: “não tornarei a beber vinho até ao dia em que beber convosco o vinho novo no reino de meu Pai”.
Jesus assim instituiu o rito que os cristãos celebram como Eucaristia ou Santa Ceia, onde o vinho representa o Seu sangue sacrificial.
Aqui o vinho literal do cálice foi elevado a sinal sagrado da redenção – um uso ritual por excelência. Historicamente, o vinho tinto serviu como poderoso símbolo do sangue, e Jesus aproveitou esse paralelismo natural na cor para selar a Nova Aliança.
Desde então, o vinho (ao lado do pão) tornou-se parte integrante da liturgia cristã, lembrando o sacrifício de Cristo.
Cada vez que os crentes bebem o cálice na Ceia, estão participando de um ritual que remete àquelas palavras de Jesus.
Note-se: Jesus fala em “vinho novo” no Reino de Deus, sugerindo tanto um tempo de alegria futura quanto a qualidade transformada desse vinho celestial em comparação com o terreno.
Proibição de vinho para sacerdotes em serviço:
Ainda dentro do contexto religioso, a Bíblia traz orientações de abstinência de vinho em ocasiões sagradas específicas. Logo após a consagração do sacerdócio aarónico, Deus adverte Aarão: “Quando tu e os teus filhos tiverem que entrar na tenda do encontro, não devem beber vinho nem outras bebidas alcoólicas, senão correm o risco de morrer” (Levítico 10:9).
Ou seja, os sacerdotes não podiam consumir vinho antes ou durante suas funções no Tabernáculo (e, mais tarde, no Templo).
O propósito era assegurar a sobriedade e pureza ritual diante de Deus, para “distinguir o sagrado do profano” (Lv 10:10). Historicamente, isso ressoa com a ideia de que estar embriagado – ou mesmo levemente afetado pelo álcool – seria desrespeitoso e perigoso no serviço divino.
A mesma norma ecoa em Ezequiel 44:21, onde na visão do futuro templo se reafirma que os sacerdotes “não devem beber vinho antes de entrar no átrio interior”.
Símbolo de bênção, alegria e abundância
Em muitas passagens, o vinho é mencionado não tanto pelo seu consumo literal, mas como metáfora ou símbolo positivo – representando bênçãos de Deus, alegria, prosperidade e até amor. Nesses versículos, embora a palavra “vinho” apareça literalmente, o foco está em seu significado figurado.
Bênção material de Deus: O vinho frequentemente integra listas de bênçãos agrícolas concedidas por Deus ao Seu povo.
Por exemplo, ao prometer prosperidade a Israel na Terra Prometida, Moisés declara que o Senhor lhes dará “cereal, vinho novo e azeite” em abundância (Deuteronômio 7:13, 11:14).
Ter lagares cheios de vinho era sinal de que a colheita de uvas fora farta.
Provérbios 3:10 reforça isso: “Assim se encherão fartamente os teus celeiros, e transbordarão de vinho os teus lagares”.
Aqui o vinho novo (do ano) simboliza a prosperidade e fartura resultantes de honrar a Deus. O Salmo 104 louva a providência divina dizendo que Deus produz “o vinho, que lhes alegra o coração, o azeite, que lhes faz brilhar o rosto, e o pão que lhes robustece as forças”.
Nesta poesia, o vinho é celebrado como dádiva alegre de Deus à humanidade – um motivo de contentamento legítimo. Em Zacarias 9:17, ao falar das riquezas da terra restaurada, diz-se que “o cereal dará vigor aos jovens, e o vinho novo às moças”, indicando vitalidade e alegria difundidas pela abundância agrícola.
Em todos esses casos, o vinho funciona como síntese das bênçãos do campo – assim como o trigo representa alimento, o vinho representa alegria e celebração resultantes da bondade divina.
O “vinho novo” do Evangelho: Jesus utilizou o vinho também como metáfora para o caráter novo e alegre do seu ministério em relação às estruturas antigas.
Ele disse: “Ninguém deita vinho novo em vasilhas velhas… vinho novo deve ser metido em vasilhas novas”, e “ninguém deseja beber vinho novo depois de ter bebido do velho, pois acha que o velho é melhor”
(Lucas 5:37-39).
Em todas essas passagens, portanto, o vinho é um símbolo de coisas boas: bênçãos materiais, alegria interior, amor intenso, prosperidade messiânica e novidade divina.
A presença do vinho nessas figuras de linguagem aproveita suas qualidades sensoriais (sabor, efeito alegramente inebriante, valor cultural) para comunicar mensagens espirituais.
“Muito vinho, muito júbilo” – na simbologia bíblica positiva, o vinho está associado ao júbilo e à vida abundante concedida por Deus. Entretanto, nem todas as metáforas do vinho são positivas.
O vinho em si não é condenado – ele pode alegrar e ter propósito (até medicinal) – porém, sua má utilização (excesso, vício, consumo em horas impróprias) é severamente desaconselhada. A temperança é exaltada como parte da sabedoria e da vida piedosa.
Cada crente é instado a não se deixar dominar por nada (1 Cor 6:12), e sim a viver sóbrio e vigilante. A moderação garante que o vinho permaneça servo do homem, e não o homem escravo do vinho.