Prova de vinhos em ambiente familiar, com gastronomia regional e vinhos caseiros? Foi exactamente isso que vivi recentemente numa pequena adega em Cantanhede, no coração da região vitivinícola da Bairrada.
Foi a minha primeira experiência deste género — uma prova vínica acompanhada de pratos portugueses, numa atmosfera acolhedora e reservada. Os anfitriões, os irmãos Filipe Pereira e João Pereira, produzem vinho apenas como hobby, e os seus vinhos são degustados exclusivamente por amigos e pessoas próximas.
Cantanhede e a Tradição Vitivinícola da Região da Bairrada
Localizada na zona de Cantanhede, esta produção vínica faz parte da região da Bairrada, famosa pelas suas castas Baga, pelos solos argilo-calcários e pelos vinhos espumantes.
Durante a prova foram apresentados vários vinhos tintos de diferentes colheitas, dois vinhos brancos distintos, bem como bebidas mais fortes: Jeropiga, Licoroso de Baga e a curiosa “Pêra do Amor”.
Todos temos gostos diferentes — uns preferem vinhos jovens, outros mais envelhecidos; há quem goste de brancos e quem só beba tintos.
Por isso, estas impressões são pessoais e subjectivas.
Prova dos Vinhos Tintos: Baga e Misturas de Castas
Começámos com um tinto monocasta Baga 2022 — aroma encorpado, sabor agradável, e forte carácter, como é típico da casta.
Seguiu-se o Baga 2017, mais expressivo, com taninos bem presentes e um sabor profundo. Ideal para quem aprecia vinhos mais maturados, embora pessoalmente prefira tintos leves e jovens.
Depois, provou-se um tinto com mistura de Baga e Tinta Roriz, que me pareceu mais equilibrado e ligeiramente mais suave.
Todos os tintos acompanharam na perfeição um prato de porco no espeto, extremamente tenro e suculento.
O cozinheiro revelou o segredo: pincelar a carne com molho ao longo do assado.
Vinhos Brancos: Surpresa Frutada e Leve
Chegou então a vez dos vinhos brancos — e surpreenderam-me! Habitualmente sou adepto de vinhos tintos, mas aqui os brancos conquistaram-me.
O primeiro, feito com Maria Gomes e Arinto, era leve, frutado e equilibrado — quase como beber sumo de uva. Uma delícia, especialmente com pratos de peixe.
O segundo branco, com Maria Gomes e Bical, também era fresco e leve, mas com um perfil de sabor diferente. Ambos excelentes, e difíceis de comparar.
A escolha de um vinho depende de inúmeros factores: estação do ano, hora do dia, prato servido, até o estado de espírito.
Por exemplo, apesar de preferir vinhos leves, com pratos de carne vermelha, como porco ou vaca, opto por tintos envelhecidos. Já para petiscos com queijo, um branco leve ou um espumante são ideais.
Espumante da Bairrada: Leveza e Alegria
Também foi servido um espumante, que gostei bastante, mas já tão relaxado que nem perguntei qual a casta — provavelmente Baga.
Gostei muito do ambiente da festa — as pessoas provavam os vinhos, comiam, conversavam e trocavam novidades. Tudo decorreu com calma, sem pressas, num ambiente familiar e acolhedor.
Tive constantemente a sensação de que, naquele sábado, estava no sítio certo — rodeado de boa companhia, com bons vinhos e petiscos deliciosos. E não, como de costume, a fazer obras em casa ou a tratar de tarefas domésticas. 😀
Durante o convívio, perguntei aos irmãos Filipe Pereira e João Pereira o que significava para eles esta actividade — cultivar uvas e produzir vinho — e eles partilharam comigo os seus pensamentos:
Conversa com os Irmãos Pereira
Filipe Pereira
— Então, como começou este vosso passatempo com o vinho?
—Isto é uma actividade que vem de várias gerações — dos meus avós, dos meus pais. Eu posso dizer que não tinha grande aptidão para estas áreas, mas com o falecimento do meu pai em 2019, algo me ligou à terra, às origens, e fez-me voltar à agricultura, à produção vinícola.
Eu e o meu irmão unimo-nos e tentámos dar continuidade ao que o nosso pai fazia — ele era um pilar muito forte nas nossas vidas. Algo que nos marcou, que nos orientou, que nos deu os princípios que temos.
E isso fez com que começasse a gostar da vinha, do vinho e desta ligação com a terra e com as nossas raízes. Tivemos também a ajuda de um amigo, que foi a nossa alavanca para continuar. Ele tem muito conhecimento técnico.
Nós, com a nossa vontade, seguimos em frente.
Todas as semanas estou com o meu irmão, todos os dias falamos sobre vinhos, sobre a vinha — é algo que nos une. Claro que temos a família, mas temos também esta ligação à vinha, que é, digamos, o elo de ligação às nossas origens e ao nosso gosto.
Depois, vêm os prazeres do vinho — os portugueses gostam de produzir bons vinhos.
Mais do que fazer vinho para vender, o que nos interessa é ter um vinho para partilhar com os amigos. Um copo que nos permita dizer: “Isto é um pouco de mim.” É um reflexo do que aprendemos, um pouco do nosso pai, da nossa história.
E o vinho é isso: é história. A vida é história. E sem história, não somos nada.
Isto não é a nossa actividade principal, mas sim um lazer, uma paixão. Quando bebemos um copo com amigos, ninguém quer saber da profissão, do carro, da casa — queremos saber apenas se o vinho é bom, se nos sabe bem.
Um copo basta. E nesse copo, partilhamos as nossas paixões. Somos sinceros, sem máscaras. Criamos amizades verdadeiras. E isso é o mais importante. Um bom vinho, um bom peixe, uma boa carne — e amizades.
Hoje estamos aqui, rodeados por uma grande família de amigos, a partilhar aquilo que é a nossa paixão.
—Pode explicar um pouco sobre os vossos vinhos?
Estamos na Bairrada, onde os tintos da casta Baga são muito famosos. Também temos Tinta Roriz, Touriga Nacional — castas predominantes na zona — mas a Baga é o nosso forte.
Os nossos solos são essencialmente argilosos. A combinação de argila e calcário confere um sabor distinto aos nossos vinhos. Não digo que sejam melhores, mas são diferentes.
Nos brancos, a casta mais comum é a Maria Gomes. Também temos Arinto e Bical, mas a Maria Gomes representa a maior parte da nossa produção, muitas vezes combinada com Arinto ou Bical.
Fazemos ainda vinhos abafados como o Licoroso de Baga e a tradicional Jeropiga, muito apreciada na Bairrada. Produzimos aguardentes, como a “Pêra do Amor” e aguardentes velhas.
É este o nosso mundo, e é isso que adoramos fazer: vinhos com alma.
João Pereira
—Interessante saber como começaram. Como foi para ti?
Olha, eu e o meu irmão nunca nos imaginámos neste mundo. O nosso pai adoeceu em setembro de 2019 e faleceu em outubro. Ficámos com as vinhas. E pensámos: “O que fazemos com isto?”
Tínhamos um amigo enólogo e as uvas prontas para a vindima. Fizemos a vindima com a ajuda dele. Foi aí que nasceu a paixão — pela vinha e pelo vinho.
O meu irmão vive em Aveiro e vinha aqui muito raramente. Eu ajudava mais o meu pai. E hoje, se me perguntares o que ganhámos com isto, digo: ganhámos amizade.
Antes, eu estava com o meu irmão uma vez por mês. Agora, falamos todos os dias, e estamos juntos todos os sábados na vinha. Talvez isso seja o mais valioso.
Partilhamos o vinho com os amigos. Tudo gira em torno do vinho. Temos dois hectares e meio. Apostamos cada vez mais na casta Baga, autóctone da Bairrada. Também temos Touriga, Sirah nos tintos, e Maria Gomes, Arinto nos brancos.
Mas o foco está no Baga. Temos vinhas velhas, muito velhas. Produzem pouco, mas com qualidade. Não queremos quilos por hectare, queremos qualidade por hectare.
Desistimos de um projecto de renovação com apoio de 7 mil euros — preferimos manter as nossas cepas antigas. Usamos práticas de agricultura biológica, sem herbicidas.
Utilizamos alguns sulfitos, mas tentamos reduzir ao mínimo.
—Qual é o objectivo? É um negócio ou vai continuar como passatempo?
É um passatempo. Sempre será. As nossas vidas profissionais são noutras áreas. Se contabilizássemos o tempo e o dinheiro que investimos, não faria sentido como negócio. Mas como prazer? Faz todo o sentido.
—Ajudavas nas vinhas em criança?
Sempre. Sempre andei na terra. Isto é, acima de tudo, perpetuar o amor do nosso pai. Onde quer que esteja, ele está a sorrir. Não sei se existe vida depois da morte. Mas se houver, ele está feliz com os filhos que tem.
Infelizmente, isto termina connosco. Os meus filhos não querem saber de vinhas. A minha filha vive em Lisboa, o meu filho em Viana do Castelo, é médico urologista. Ganha num dia o que eu ganho num ano com a vinha.
Fazemos a vindima com amigos. Só com amigos. E é uma festa.
Paramos às 10 da manhã para comer carapaus fritos e presunto. Depois voltamos à vinha.
Almoçamos debaixo das árvores de fruto: bacalhau com batatas a murro — um tabuleiro onde todos picam.
A alegria está aí: estar com amigos. A vindima é só feita com amigos.
Um brinde aos sabores fortes
Quase me esquecia de mencionar as provas de bebidas mais fortes.
Começo pela Jeropiga — foi a primeira vez que a experimentei e gostei bastante. Um licor doce, de cor âmbar quente e agradável. É uma bebida com alto teor alcoólico, feita com mosto abafado a que se junta cerca de um quarto de aguardente.
Na minha opinião, este vinho, tal como o Vinho do Porto, adapta-se a várias situações e é perfeito como vinho de sobremesa. Pode ser apreciado em pequenas quantidades, saboreando cada gota.
Depois, provei o Licoroso de Baga — fez-me lembrar ainda mais o Vinho do Porto, embora com um toque distintivo, proporcionado pelas características únicas da casta Baga.
Por fim, experimentei a aguardente “Pêra do Amor” — uma bebida bastante forte, penso que com pelo menos 30 graus de álcool. O aroma transportou-me de imediato à infância, para a aldeia da minha avó, onde se fazia uma bebida parecida ao que na Bielorrússia chamamos de “samogon”.
Um cheiro muito característico e memorável. É uma bebida que certamente tem os seus apreciadores, mas para mim, é demasiado forte.
Uma festa para recordar
Esta pequena festa familiar na adega dos irmãos Pereira deixou-me memórias maravilhosas.
Adoro as pequenas localidades de Portugal, com ruas estreitas, igrejas bonitas, gente simpática e aquele conforto tranquilo.
Esta festa foi o reflexo disso mesmo — um momento de vinho, amizade e autenticidade, que guardarei com carinho.
Viachaslau