No sábado, 20 de setembro, tive o privilégio de viver uma das experiências mais autênticas do enoturismo em Portugal: participar numa vindima tradicional.
Não foi num grande produtor nem numa quinta turística, mas num ambiente simples e autêntico, entre vinhas familiares dos irmãos Pereira, perto de Cantanhede, no coração da região vitivinícola da Bairrada.
A vindima, esse termo que em Portugal diz tudo com uma só palavra, não é apenas a apanha das uvas. É uma celebração rural, uma ode ao trabalho e à recompensa, à terra e ao vinho.
Ali colhiam-se as últimas uvas tintas da temporada, das castas Tinta Roriz e Baga – duas variedades que dizem muito sobre o carácter dos vinhos desta região.
O Início do Dia: Vinha ao Amanhecer
Às 8 da manhã, o orvalho ainda brilhava nas folhas quando cheguei. Já havia gente entre as filas, munida de tesouras e baldes. Após uma breve explicação sobre como cortar os cachos sem ferir a planta ou a mão, comecei o trabalho.
Cortar, encher o balde, despejar no recipiente maior e repetir. O processo é simples, mas exige atenção e um certo ritmo.
No grupo, ouvia-se conversa solta — sobre trabalho, futebol, carros e a vida. Era uma vindima só de homens naquele dia, e o ambiente era descontraído e alegre.
No entanto, as costas começaram a dar sinal após a primeira hora — apanhar uvas é uma tarefa fisicamente exigente, especialmente quando os cachos se escondem junto ao chão.
Exercício e Sabores na Vinha
Descobri que há uma técnica para evitar dores: trabalhar de cócoras. Assim, o esforço é melhor distribuído. A vindima transforma-se num exercício completo — agachamentos, movimentos repetitivos com as mãos, foco e respiração. Uma verdadeira aula ao ar livre, sem mensalidade.
O sabor das uvas também me surpreendeu. Sempre pensei que as uvas para vinho fossem duras ou ácidas, mas estava enganado. A Tinta Roriz é doce e suculenta; a Baga, menos doce, mas igualmente saborosa. São uvas que eu compraria no mercado, sem hesitar.
A Pausa Merecida: Comer e Beber na Vinha
Depois de cerca de três horas de trabalho, fizemos uma pausa. Sandes simples, sardinhas assadas, pão de milho — e, claro, vinho da casa. Tinto da Bairrada, encorpado, que combina com as gargalhadas e o descanso à sombra da latada.
O céu nublado mantinha o clima ideal para a vindima — sem sol forte nem chuva.
Ao final da manhã, todas as uvas estavam colhidas. Seguiu-se o almoço, com direito a bacalhau com batatas assadas, legumes da horta e mais vinho. A comida era simples, mas rica em sabor e memória. Uma verdadeira mesa portuguesa.
Vindima como Experiência Cultural
A determinada altura, lembrei-me da tradição bielorrussa da apanha da batata — onde também se junta a família e amigos para colher e depois comer juntos.
A diferença? Em vez de vinho, há aguardente caseira. Mas o espírito é o mesmo: celebrar o trabalho e a partilha.
A vindima, aqui como lá, é muito mais do que uma colheita. É um ritual que liga o homem à terra. É um momento de passagem, de fim e de promessa. Afinal, é com estas uvas que se fará o vinho do próximo ano.
Enoturismo em Portugal: Uma Experiência para Todos
Se gosta de vinho e de experiências autênticas, participar numa vindima é algo que deve fazer pelo menos uma vez na vida. Felizmente, em Portugal, não faltam oportunidades.
Há provas de vinho no Douro, vindimas no Alentejo, eventos de vinho no Porto, vindimas com almoço incluído em Lisboa e até feiras como o Vinho Verde Fest.
Cada região tem as suas castas portuguesas emblemáticas, os seus costumes, a sua maneira de celebrar o final do verão. Participar numa vindima permite não só conhecer a história do vinho português, mas também perceber a importância cultural desta prática ancestral.
Dicas para Participar numa Vindima
Se quiser viver esta experiência, aqui ficam algumas sugestões:
- Leve roupa confortável e resistente.
- Use calçado fechado e com boa aderência.
- Não se esqueça de protetor solar ou chapéu, mesmo em dias nublados.
- Leve água e esteja preparado para sujar as mãos — literalmente.
- Aceite o convite para o almoço. É lá que se faz a verdadeira festa.
Participar numa vindima é descobrir Portugal de dentro. É sentir o país nas mãos, no cheiro da terra, no sabor da uva, no calor do vinho partilhado. Não é apenas uma colheita — é um encontro com o tempo, com as pessoas e com o que de melhor a tradição portuguesa tem para oferecer.
Como se diz por cá – “Mais vale um copo de vinho na mão do que dois a prometer” — e neste caso, vale também o dia bem passado, a história vivida e o prazer de contribuir, ainda que por um momento, para algo tão enraizado como o vinho.