A tradição e a ousadia no rótulo
O setor do vinho em Portugal tem uma longa tradição de nomes ligados a quintas, famílias e regiões. No entanto, alguns produtores e marcas decidiram arriscar e criar rótulos provocadores, engraçados ou mesmo polémicos. Esta tendência, embora minoritária, ganhou espaço nos últimos anos e gerou tanto curiosidade como controvérsia.
Casos reais no registo de marcas (INPI)
Força no Pau – registo aceite
Em 2002, a empresa Lamivinhos, no Porto, conseguiu registar a marca Força no Pau. O nome, de duplo sentido evidente, tornou-se exemplo de irreverência aplicada ao vinho português. Apesar do risco de polémica, o INPI concedeu o registo e a marca está protegida até hoje.
Quinta das Putas – registo recusado
Em 2015, foi apresentada a marca Quinta das Putas, mas o pedido acabou recusado pelo INPI. A decisão baseou-se em critérios de ordem pública e moralidade, por se tratar de linguagem ofensiva. O caso mostra os limites legais impostos a nomes considerados excessivamente agressivos.
Que se Foda – recusado, mas com versão abreviada aceite
Em 2020, foi submetido o pedido para registar a marca Que se Foda. Tal como no caso anterior, o INPI recusou o registo, considerando o termo demasiado vulgar.
No entanto, no mesmo período a empresa conseguiu registar QSF — a sigla abreviada — que foi aceite em 2021 e está válida até 2030.
Na prática, a marca passou a usar “QSF” como registo legal e, em paralelo, continua a explorar a versão explícita “Que se Foda” em garrafas, site e merchandising (camisolas, molhos picantes, posters). Assim, encontrou-se um equilíbrio entre irreverência no marketing e proteção legal.
A marca QSF e a irreverência como identidade
O site oficial (quesefoda.com) mostra como a empresa expandiu a sua filosofia. Para além do vinho, vende produtos como:
- “Picante Fodido” (molho picante);
- “Camisola Merda Qualquer”;
- T-shirts e pósteres com “Que se foda”.
Tudo isto reforça uma identidade de marca baseada em provocação, humor e choque cultural.
Os vinhos da QSF e a linguagem provocatória nos rótulos
A marca QSF, conhecida pela sua irreverência, lançou vários vinhos com nomes fora do comum. Cada rótulo carrega uma mensagem que mistura humor, choque cultural e, em alguns casos, duplo sentido:
- Que se Foda
O nome-chave da marca, que simboliza o espírito de rebeldia contra convenções. É um statement direto: beber vinho sem regras, sem cerimónia, sem filtros. - Apanhei uma Cadela
Expressão popular em Portugal usada para dizer que alguém ficou bêbedo (“apanhar uma cadela” = embriagar-se). O rótulo joga com o duplo sentido, ilustrando literalmente uma pessoa com uma cadela nos braços, enquanto remete à gíria da bebedeira. - Cadelão
Nome inspirado na casta portuguesa Castelão, mas transformado em “Cadelão”, com trocadilho visual e textual associado a cães. Mantém o humor enquanto faz uma piscadela ao mundo das castas tradicionais. - Menos
Um rótulo minimalista e direto. O nome “Menos” pode ser lido como crítica ou ironia sobre excesso de marketing e pretensão no setor do vinho — aqui a proposta é simplificar, “menos é mais”.
Porque estes nomes funcionam (mesmo sendo polémicos)
- Geram atenção imediata — são facilmente lembrados e partilhados.
- Diferenciam-se no mercado — afastam-se da sobriedade habitual no vinho.
- Criam comunidade — atraem consumidores jovens que se identificam com irreverência.
- Transformam polémica em marketing — mesmo recusas oficiais acabam por dar visibilidade extra.
O caso do Licor de Merda – tradição e provocação desde os anos 1970
Não são apenas os vinhos que recorrem a nomes irreverentes para ganhar destaque. O Licor de Merda, criado em 1974 em Cantanhede, é um dos casos mais curiosos da história das bebidas portuguesas.
O nome surgiu num contexto político: uma sátira à instabilidade da época pós-25 de Abril, quando muitas ideias e partidos surgiam ao mesmo tempo. O criador, Américo Tavares, decidiu ironizar a situação com uma bebida batizada de forma provocadora.
Apesar do choque inicial, o nome não só resistiu como se tornou marca registada no INPI (2002) e um ícone cultural. Hoje o Licor de Merda é um souvenir turístico e uma bebida procurada tanto pelo sabor doce (à base de leite, açúcar e aromas) como pelo rótulo irreverente.
Este caso mostra que a ousadia pode transformar um nome polémico num sucesso de décadas, especialmente quando aliado a uma história bem contada e à curiosidade do público.
Os vinhos portugueses com nomes fora da caixa — como Força no Pau, Quinta das Putas ou Que se Foda/QSF — demonstram que, num setor historicamente ligado à solenidade, também há espaço para a ousadia. Estes rótulos são estratégias conscientes de posicionamento, que desafiam convenções e exploram novas formas de comunicar com públicos diferentes.
O mesmo se aplica a bebidas como o Licor de Merda, criado em 1974 em Cantanhede e hoje um ícone cultural. O nome provocador, nascido de uma sátira política, acabou por resistir ao tempo e transformar-se em sucesso turístico e comercial. Tal como nos vinhos, aqui também se vê como a provocação pode gerar curiosidade, identidade e notoriedade duradoura.
É verdade que estes casos enfrentam barreiras legais — como registos recusados pelo INPI — e choques culturais, já que nem todos aceitam a vulgaridade ou o humor como linguagem de marca. Contudo, exatamente por causa dessa polémica, ganham atenção imediata e conquistam consumidores que procuram irreverência e autenticidade.