Vinhos Verdes a 2 Euros? O Soalheiro Explica o Verdadeiro Valor

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Durante o Figueira Wine Fest 2025, tive a oportunidade de conversar com uma representante da equipa Soalheiro, uma rapariga simpática e brilhante que já encontrei muitas vezes em exposições e provas de vinhos.

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Desta vez, a conversa foi mais demorada e aprofundada — uma verdadeira viagem ao universo do Soalheiro, da sua origem familiar à constante vontade de inovar sem sair do território que lhes dá identidade: a sub-região de Monção e Melgaço.

Falou-se de castas, vinhas, métodos alternativos de vinificação e do papel que o Alvarinho representa na afirmação dos Vinhos Verdes como vinhos de excelência. Como ela bem resumiu, “O mais importante é continuar sem sair do lugar”.

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Sobre os vinhos, o Soalheiro é uma empresa familiar que começou em 1974 com a plantação da primeira vinha, mas a marca só surgiu em 1982. Estamos claramente localizados na região dos Vinhos Verdes, que está dividida em nove sub-regiões, e estamos na sub-região de Monção e Melgaço, onde a casta Alvarinho é a rainha — e também é a nossa rainha.

Fomos os primeiros a plantar uma vinha contínua de Alvarinho, lá em 74, no ano da Revolução. Foi, efetivamente, uma revolução, e neste momento temos um portefólio já bastante alargado. Começámos no vale, com os Vinhos do Vale, com o nosso Soalheiro Clássico, que agora foi pontuado com 97 pontos no Decanter World Wine Awards, o único branco português distinguido com o “Best in Show”.

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Temos vinhos de altitude, provenientes de vinhas situadas acima dos 200 metros. Temos vinhas velhas, vinhos biológicos, espumantes — fomos os primeiros a fazer um espumante de Alvarinho, em 1995. Hoje em dia temos quatro espumantes e também um pet-nat. Temos vinhos da nossa “cave da inovação”, desde o Alvarone, que é um Alvarinho ao estilo Amarone de Valpolicella, até ao Melpasso, com o processo do “repasso”, que acaba por ser, digamos, o “filho” do Amarone.

Temos um Alvarinho feito ao estilo da Geórgia.

Temos um Alvarinho feito com as borras da decantação do mosto, proveniente das vinhas em altitude. Somos uma empresa, como disse antes, familiar, que respeita as tradições, o território e a origem, mas sempre a inovar. Temos uma frase que é extremamente importante para nós: “continuar sem sair do lugar”.

Queremos continuar a inovar sem sair do sítio onde está localizada a adega, sem irmos para outras regiões, e respeitando sempre a nossa casta rainha, que é o mais importante de tudo: o Alvarinho.

O Alvarinho é a casta de todos os vossos vinhos?

90% dos nossos vinhos são 100% Alvarinho. Depois temos alguns lotes com Pinot Noir — como é o caso do nosso Rosé, ou do espumante Rosé — que levam Alvarinho, Pinot Noir e Touriga Nacional.

Temos o “Allo”, que eu costumo dizer que é o “All Day Wine”, o nosso vinho mais fácil de beber, com 70% Loureiro e 30% Alvarinho. Portanto, 90% é Alvarinho, mas também trabalhamos com Pinot Noir, Touriga Nacional, Sauvignon Blanc, Vinhão — duas castas tintas típicas da região do Minho.

E em breve devem surgir algumas experiências com castas internacionais, porque, sem experimentar, nunca se vai a lado nenhum.

Qual é a vossa inovação mais recente?

A nossa inovação mais recente é o Melpasso, um Alvarinho feito com o método do “repasso”.

Pode explicar?

O “repasso” vem de um método de vinificação italiano da região de Valpolicella. O vinho Alvorone é feito com uvas desidratadas. Como não temos condições climáticas para desidratar as uvas ao ar livre, como em Valpolicella, fazemos a desidratação numa câmara própria — a mesma onde desidratamos as nossas infusões.

Depois prensamos, fermentamos. Resultado: um Alvarinho com 14,5% de álcool — mais forte, com um pouco mais de açúcar residual.

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As massas, ou seja, as uvas desidratadas já prensadas, são guardadas. E depois fazemos o “repasso”: pegamos num vinho já fermentado e passamo-lo novamente por essas massas e borras do Alvarinho, provocando uma segunda fermentação, muito suave. Assim nasce o Melpasso, com 14% de álcool.

A nossa empresa tem um conceito muito simples. Somos uma família. E, como em todas as famílias, todos falam entre si, todos dão opinião. Na nossa equipa é igual: todos falamos uns com os outros, todos temos ideias. E a gestão está sempre disponível para ouvir. Pode ser a ideia mais maluca — mas se for consistente, vai-se fazer.

Temos um vinho que foi ideia da equipa: o Mosto Flor. Existem 48 rótulos diferentes, cada um com a caligrafia de um membro da equipa a escrever “Mosto Flor” e o nome por baixo. Todos os anos fazemos o Mosto Flor, que é o símbolo da nossa inovação.

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Este ano, a enóloga Assun preparou três lotes diferentes. Fizemos uma prova cega com todos os membros da equipa — desde a senhora da limpeza até à direção. O lote mais votado foi o que foi engarrafado. Simples. Mas são estes pequenos grandes detalhes que motivam a equipa e a própria enóloga, porque é um desafio que mostra quem somos.

Todos os colaboradores do Soalheiro são de Melgaço — e alguns de Monção. Respeitamos o nosso território e o legado dos nossos antepassados. Muitos de nós, ou os nossos pais, temos vinhas. É um ciclo que se fecha com estes vinhos. Os portugueses ainda não estão totalmente conscientes da qualidade dos nossos vinhos.

É um trabalho que temos de fazer, sobretudo no mercado externo, para mostrar que temos valor e qualidade. Quando mostramos, as pessoas ficam surpreendidas.

“Como é que um vinho português pode ser assim?” É isso que ouvimos. Aqui, hoje, é exemplo disso. Há vinhos de grande qualidade. Muito boa qualidade. Mas somos poucos. “Poucos” — entre aspas. Imagina se fôssemos muitos… Cabe-nos a nós, produtores, fazer o nosso trabalho — no mercado nacional, claro, mas também no externo — valorizando-nos.

Os vinhos não têm preço, têm valor. Temos de saber valorizar o que temos. Se não o fizermos, não conseguimos justificar um preço. E eu detesto a palavra “preço”, porque sei o valor de cada gota dentro de uma garrafa. É muito trabalho. Desde a plantação até à garrafa final.

Muita gente diz: “Este vinho é caro”. Mas o que é caro, para si? Já experimentou fazer uma vindima? Só uma pequena vindima? E no nosso caso, nos Vinhos Verdes, até é relativamente fácil.

Este, o nosso vinho de entrada de gama — o que toda a gente chama de “vinho corrente” — foi o mais pontuado numa prova cega entre mais de 12 mil vinhos de todo o mundo. Portanto, tudo depende. Temos de ter qualidade e consistência no produto.

Depois, depende do gosto pessoal. Eu posso preferir o Clássico, tu podes preferir o Primeiras Vinhas — que teve 95 pontos (este teve 97). Para o consumidor final, isso varia. Já nos concursos, é outra coisa: provas cegas, sem rótulo, avaliadas por sommeliers e Masters of Wine. Aí estamos a falar a sério.

Mas, no fim, tudo é relativo. No Soalheiro, temos um Soalheiro para cada um: mais frutado, mais seco, de Vinhas Velhas, biológico, doce, rosé, espumantes, e até aguardente. Todos ficam servidos. Ninguém fica sem vinho.

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A qualidade começa na uva. O vinho não começa na adega, começa na vinha — e em quem cuida dela.

Na sua opinião, há valor justo para os Vinhos Verdes? Porque no supermercado, os preços são muito baixos.

2 ou 3 euros não paga nada. Nem a garrafa, nem o rótulo, nem a cápsula — quanto mais a rolha. Temos de conviver com esses vinhos, sim, porque são produzidos na região.

Mas temos de mostrar que os Vinhos Verdes vão muito além disso. Existem vinhos tranquilos, espumantes, rosés, tintos, aguardentes, colheitas tardias… com diferentes qualidades, claro.

Guardar um vinho desses do supermercado durante um ano… é ridículo. Mas guardar um Soalheiro Clássico por 10 anos… aí é diferente. Não só o nosso — guardar um Alvarinho, um Loureiro, um Arinto, um Azal de qualidade — são vinhos com enorme potencial de envelhecimento.

Só que ainda há a ideia de que o vinho verde é sempre branco, leve, frisante, com pouco álcool — geralmente com CO₂ adicionado. Isso vem da comunicação feita há muitos anos atrás.

Por isso lançámos uma edição especial — um Alvarinho de 2015, com 70% de 2015 e 30% de 2018 — uma mistura do Soalheiro Clássico com esses dois anos. Na semana passada abrimos um Clássico de 2004. Tomara poder abrir mais vezes… mas já não há. Porque havia o estereótipo de que os Vinhos Verdes são para beber no ano.

Com estudo, inovação e aprendizagem, percebemos: o vinho tem o seu tempo. Como tudo na vida. Uma gravidez são nove meses. Se nascer prematuro, podem surgir complicações. Com o vinho é igual.

E qual seria o valor justo, em média, para os Vinhos Verdes?

Depende. Um Alvarinho clássico, do ano da colheita, para mim, devia custar uns 15 euros. Justamente. Porque o trabalho que está por trás é invisível para muitos.

Nós temos um clube de viticultores — duzentos pequenos produtores — que são parte da família. Compramos uvas a todos por igual, a 1,30€ o quilo. Todos são tratados com igualdade, e sabemos que teremos uvas de qualidade. São pessoas de confiança.

Mas é tudo relativo. O Primeiras Vinhas fica mais tempo na adega. Um espumante demora muito mais tempo. E tempo é dinheiro parado. Uma empresa precisa de rotação. Mas, com tudo isso em mente, um Soalheiro Clássico a 15 euros seria mais do que justo.


O valor justo começa na vinha

A conversa com o Soalheiro deixa uma ideia clara: o preço de um vinho não deve ser medido apenas pelo rótulo ou pelo tipo de casta, mas pelo trabalho invisível que está por trás de cada garrafa — desde o cuidado com a vinha até à decisão consciente de respeitar o tempo de cada vinho.

Num cenário onde ainda se encontram Vinhos Verdes a 1,9 ou 2.5 euros no supermercado, torna-se urgente educar o consumidor para perceber que qualidade exige investimento.

Porque, como se ouviu ao longo da conversa, o vinho não tem apenas preço — tem valor. É necessário reconhecer esse valor, sobretudo em Portugal.