Conferência no Porto: Debate sobre a Crise Vitivinícola

francisco mateus

No geral, o tema da conferência, organizada pela ANCEVE – Associação Nacional de Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas, em parceria com a Universidade Portucalense, é extremamente relevante neste momento: “Desafios e oportunidades para o setor do vinho – vem aí uma crise vitivinícola sem precedentes?”

Numa altura em que surgem notícias sobre a queda na procura de vinho, sobre os produtores que não conseguem vender o vinho a preços justos, e a transformação do vinho não vendido em álcool, é fundamental que os profissionais do setor vitivinícola se reúnam para debater e encontrar respostas para estas questões.

conferencia geral

O regulamento do evento incluía a realização de duas mesas redondas com vários participantes, além de um espaço para o público esclarecer as suas dúvidas.

A conferência foi moderada pelo jornalista Manuel Carvalho.

Mesa Redonda com os:

  • Presidentes da Viniportugal – Frederico Falcão,
  • Andovi – Francisco Toscano Rico,
  • Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes – Dora Simões,
  • CVR Alentejana – Francisco Mateus,
  • CVR Beira Interior – Rodolfo Baldaia de Queirós,
  • O produtor Anselmo Mendes,
  • António Sucena Cláudio – Forum Unidos pela Vinha de Portugal

O evento contou com uma sala quase cheia, demonstrando a importância do tema e o interesse gerado pelos oradores presentes.

Várias personalidades de renome do setor vitivinícola português participaram, e cada apresentação foi interessante e informativa.

Cada orador apresentou a sua perspetiva sobre os problemas atuais e propôs soluções. No entanto, vários destacaram que, apesar da elevada qualidade dos vinhos portugueses, estes são vendidos a preços demasiado baixos, o que representa um grande desafio para o setor.

Daremos início a esta série de artigos da conferência com a intervenção de Francisco Mateus, Presidente da Direção da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA).

Selecionámos os momentos mais interessantes, na nossa opinião, do discurso do orador

francisco mateus frente

 “Sobre esta questão, que todos partilhamos e que já foi levantada pelos meus colegas, sinto que se tornou ainda mais evidente na campanha de 2024-2025.

Respondendo à pergunta colocada esta manhã, o setor do vinho em Portugal, nos últimos 10 anos, tem vindo a perder competitividade, e os operadores, por sua vez, têm visto a sua rentabilidade diminuir.

Se eu fosse um investidor, sinceramente, não investiria no setor vinícola neste momento.

Digo isto porque, olhando para as perspetivas e considerando a história que temos, não vejo que o investimento na terra e nas vinhas possa ser produtivo no futuro.

Claramente, há um problema de rentabilidade no setor.

Quando olhamos para o Douro, vemos vários viticultores preocupados por não conseguirem vender as suas uvas.

E, se não conseguem vender as uvas, pergunto: para quê manter as vinhas?

No Alentejo, a situação não é muito diferente, com os produtores preocupados devido aos preços baixos das uvas. Se o preço é tão baixo, qual o incentivo para continuar a produzir?

Não há rentabilidade, o que nos leva a concluir que temos um problema sério no setor.

francisco mateus alentejo

Agora, é essencial identificar as causas deste problema. Na minha opinião, como já foi mencionado, a questão das importações tem impacto, mas não deve ser a principal preocupação.

Devemos monitorizar o mercado, claro, mas o problema está também na regulação. Não podemos passar 10 anos a simplificar as regras para as empresas operarem no mercado, e depois, ao final desse período, confrontarmo-nos com problemas estruturais no setor vinícola, sem as ferramentas adequadas para os resolver.

A questão da transparência para o consumidor, por exemplo, não evoluiu nos últimos anos. Temos hoje os mesmos desafios que tínhamos há 5 ou 10 anos. 

O problema não é apenas a legislação, mas sim a forma como é interpretada e aplicada. E isso tem de ser revisto para garantir que o setor vinícola em Portugal possa voltar a ser competitivo e rentável.

Durante este período, fomos acreditando que tudo estava a correr bem, que estávamos a exportar mais e a gerar bons resultados para o setor.

No entanto, com os 1,6 mil milhões de euros que chegaram de Europa, muitos milhões destinados a Portugal, questiono se os investimentos foram canalizados da melhor forma.

francisco mateus lado

A verdade é que, apesar de termos mais produção, não parece que tenhamos mais dinheiro.

Temos vinhas que, em média, produzem mais do que no passado, o que é normal com tanto investimento. Mas o problema reside no facto de não conseguirmos vender essa produção a preços justos.

Vejamos, por exemplo, o caso das exportações de vinho regional Alentejano nos últimos 10 anos.

Apesar do aumento dos volumes exportados, o preço de venda tem-se mantido praticamente linear desde 2015 até 2024.

Pergunto: onde está o rendimento? Estamos a vender ao mesmo preço de há 10 anos.

Se em 2015 tínhamos rentabilidade, hoje essa rentabilidade está em queda.

Esta insatisfação é o que motiva este debate. O que é necessário para mudar o rumo?

Desde 2016, temos vindo a promover alterações na plantação, com cerca de 2 mil hectares de vinhas novas por ano.

No entanto, quando olhamos para as estatísticas, algo não está a correr bem.

Plantamos vinhas, mas elas não aparecem nas estatísticas. Continuamos a apoiar a reestruturação, mas a produção parece não estar a acompanhar o crescimento das áreas plantadas.

Acredito que existe um desequilíbrio entre a oferta e a procura.

Não penso que o problema esteja na produção em si, mas sim na credibilidade do nosso setor.

Nos últimos 10 anos, a produção nacional cobria 78% das necessidades internas, mas nos últimos 5 anos esse número caiu para 74%.

Importamos mais e exportamos, mas o vinho português, tanto no mercado nacional como no internacional, não está a ser valorizado ao preço justo.

Por fim, vemos um aumento da entrada de vinhos de baixo custo no mercado, o que prejudica a competitividade do vinho português, tanto cá dentro como lá fora.

Portugal, infelizmente, é visto como um país de vinhos baratos, o que dificulta a valorização justa do nosso produto.”


Rodolfo Baldaia de Queirós: A importância dos Vinhos Certificados