Riscos da venda de Vinho Português com Desconto

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Recentemente, observámos uma promoção num supermercado que oferecia o vinho Cancellus Premium DOC Douro Vinho Tinto com um desconto de 70% sobre o PVP recomendado: 13,49€/unidade.

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Ficámos surpreendidos pelo facto de um excelente vinho, vencedor da Medalha de Ouro no Concurso Mundial de Bruxelas 2024, estar a ser vendido a um preço tão reduzido.

À primeira vista, pode parecer que esta é uma ótima oportunidade para o consumidor — uma pessoa pode comprar um vinho de qualidade a um preço comparável ao de um vinho caseiro, que não só não participou em concursos, como nem sequer foi certificado e não possui rótulo próprio. Por isso, acaba por ser vendido a um valor tão baixo.

Contudo, isso é apenas uma ilusão. Afinal, como pode um produtor de vinho obter lucro vendendo o seu produto ao preço de 1 kg de uvas?

Parece-nos óbvio que o produtor não conseguirá ganhar nada com estas vendas. Na verdade, a única coisa que acontece é que o produtor perde: todo o esforço investido na criação do vinho, as despesas de marketing, os custos de participação em concursos, entre outros, tornam-se insignificantes perante um preço tão reduzido.

Se analisarmos com mais profundidade, de onde o produtor obterá o capital necessário para desenvolver o seu negócio?

Para investir em nova maquinaria, cuidar melhor das suas vinhas, aplicar métodos modernos e sustentáveis de conservação do vinho ou pagar aos seus colaboradores?

De onde virá esse dinheiro?

Cada empresa cresce com base no lucro obtido pela venda dos seus produtos ou serviços.

Como já mencionámos anteriormente e continuamos a afirmar, os vinhos portugueses são produtos de alta qualidade e, na nossa opinião, a maior parte deles é vendida a preços injustamente baixos.

Todos entendemos que um produto de qualidade não pode ser vendido com um desconto de 70%, e esse valor provoca desconfiança — as pessoas questionam o porquê de um preço tão baixo. Será que o prazo de validade está a expirar? Ou será que o produto tem algum defeito?

Por outro lado, pensemos em como este desconto afeta as lojas que tentam vender o mesmo vinho pelo PVP recomendado.

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Acreditam que as vendas correm bem para elas, quando exatamente o mesmo vinho pode ser comprado a um terço do preço?

Na nossa perspetiva, a realização de promoções deste género não prejudica apenas os lucros, mas também a imagem dos vinhos portugueses.

Recentemente, lemos um artigo interessante de Cláudio Martins, onde o autor defende a necessidade de alcançar segmentos de mercado mais elevados:

“…Não poderemos nunca ser um país de quantidades, mas sim de qualidade. É importante que as empresas vitivinícolas procurem posicionar-se num setor premium ou ultra premium e que abortem a ideia dos 3B’s, como eu costumo referir – bom, bonito e barato. ”

Concordamos plenamente com cada palavra desta citação, pois, no nosso entender, a concorrência de preços no setor dos vinhos é um caminho sem saída…

Quantos vinhos baratos e conhecidos mundialmente conseguem mencionar?

Nós, por exemplo, não conhecemos nenhum, mas sabemos que existe o champanhe francês Dom Pérignon, vendido a partir de 270 euros até 50 000 (!) euros por garrafa.

don perignon

Também sabemos que um dos vinhos tintos portugueses, o Pêra-Manca Tinto 2018, é vendido a partir de 350 euros por garrafa e mais. E isto é motivo de orgulho pelos vinhos portugueses e pelos produtores que estruturaram tão bem a sua estratégia de vendas e marketing.

pera manca

Ninguém se orgulha de conduzir o carro mais barato do mercado ou de beber o vinho mais barato disponível.

Reforçamos novamente que a produção de vinho é um processo longo e dispendioso, que começa com a plantação (ou compra) das vinhas. Este negócio, como qualquer atividade agrícola, está sujeito a riscos elevados — condições climáticas adversas, doenças das vinhas, pragas, entre outros.

Já por isso, uma garrafa de vinho nunca poderá ter o mesmo preço de 1 kg de uvas no supermercado. Assim, não devemos desvalorizar o trabalho árduo dos produtores de vinho.

Sempre que se depararem com a oportunidade de comprar um vinho português com um desconto tão grande, pensem: como se sentiriam se o vosso produto ou serviço fosse vendido com 70% de desconto?

Ficariam satisfeitos com esse tipo de vendas?

Vender vinho a preços mais baixos pode parecer uma estratégia atraente para aumentar rapidamente o volume de vendas, mas, na prática, pode comprometer seriamente a sustentabilidade e o desenvolvimento a longo prazo do negócio.


Quando a principal estratégia é o preço baixo, o público é formado por consumidores que buscam apenas ofertas e que não têm lealdade à marca. Qualquer concorrente que ofereça um preço ainda menor irá conquistar esses clientes rapidamente.

Se a margem de lucro é pequena, qualquer variação nos custos de produção, transporte ou impostos pode levar a prejuízos financeiros. Uma colheita ruim ou aumento no custo de insumos pode comprometer seriamente o negócio.


Infelizmente, este está longe de ser um caso isolado de tais descontos em vinhos.

Se os descontos em produtos comuns não causarem grandes problemas (por exemplo, um bolo que está prestes a expirar ser vendido com um grande desconto) no caso do vinho, trata-se de um produto estratégico de exportação de Portugal.

Além disso, produzir uma garrafa de vinho não é o mesmo que fazer um bolo; é um processo muito mais complexo e difícil.

Se for necessário para a estratégia de negócio dos supermercados vender vinho português com um grande desconto, que o façam, mas sem prejudicar a imagem do produtor de vinho.

Por exemplo, vendendo esse vinho sob o rótulo do próprio supermercado.