O consumo de álcool continua a ser um dos temas mais debatidos em saúde pública, sobretudo quando se compara o seu impacto real na saude associada ao vinho e a outras bebidas alcoólicas.
No Fórum Anual Vinhos de Portugal 2025, o Professor Doutor António Vaz Carneiro apresentou uma síntese objectiva dos dados disponíveis, destacando os potenciais riscos.
O que Mostram os Estudos Observacionais
Uma vasta gama de estudos observacionais sugere uma relação em forma de “J” entre o consumo de álcool e a mortalidade por todas as causas. De acordo com esta hipótese, as pessoas que consomem álcool em quantidades baixas ou moderadas podem apresentar menor mortalidade do que os abstémios, fenómeno frequentemente designado por “paradoxo francês“.
No entanto, esta interpretação apresenta limitações significativas. Alguns estudos que documentam benefícios enfrentam desafios metodológicos bem conhecidos, como os diferentes perfis de saúde dos abstémios e dos consumidores ligeiros de álcool.
Assim, outros estudos publicados, incluindo os citados no relatório (Lancet 2018; JACC 2017; Nutrients 2022), apresentam conclusões mais cautelosas:
Aumento do risco em indivíduos com problemas de saúde preexistentes
Os dados apresentados confirmam que uma proporção significativa de pessoas com problemas de saúde preexistentes apresenta um maior risco de desenvolver complicações decorrentes do consumo regular de álcool, mesmo em quantidades relativamente pequenas.
Segundo Vaz Carneiro, para estes indivíduos, o risco associado ao consumo crónico é superior ao risco associado ao consumo episódico e em pequenas quantidades.
Consumo episódico excessivo ou intenso de álcool
De acordo com os dados analisados, o consumo excessivo ou episódico de álcool está claramente associado a um risco aumentado de mortalidade por todas as causas e de mortalidade cardiovascular.
Esta associação é consistente entre estudos e mantém-se consistente independentemente das metodologias utilizadas.
A Importância da Literacia em Riscos
Parte da apresentação foi dedicada a uma tabela comparativa dos riscos anuais de mortalidade decorrentes de diversos eventos.
Do maior risco anual para o menor risco anual (com percentagem aproximada e equivalência “1 em X”)
A tabela do discurso de António Vaz Carneiro mostra como diferentes atividades ou condições contribuem para o risco anual de morte. Estes valores servem para comparar proporcionalmente categorias de risco e ajudar o público a interpretar corretamente a magnitude de cada um.
Segue a explicação detalhada de cada caso, do mais frequente para o mais raro.
1. Tabagismo ativo
- ~0,67% ao ano
- Risco: 1 em 150
O tabagismo ativo surge como o maior risco anual da lista. Isto reflete o impacto direto do fumo do tabaco sobre doenças cardiovasculares, respiratórias e vários tipos de cancro. É um risco cumulativo e constante, significativamente superior a qualquer outra causa apresentada no slide.
2. Doença cardiovascular
- ~0,3% ao ano
- Risco: 1 em 330
As doenças cardiovasculares representam a principal causa de morte na maior parte dos países. O valor apresentado indica que, em média, 1 em cada 330 adultos tem probabilidade de morrer anualmente por esta causa. É, portanto, um risco elevado e frequente a nível populacional.
3. Cancro
- ~0,2% ao ano
- Risco: 1 em 500
Os cancros representam a segunda causa de morte na maioria das sociedades modernas. A probabilidade anual indicada (1 em 500) revela um risco importante e relativamente comum ao longo da vida.
4. Alpinismo / montanhismo técnico
- 0,01% a 0,1%
- Risco: 1 em 10 000 a 1 em 1 000
Trata-se de uma atividade de risco elevado, numa faixa que pode atingir valores comparáveis aos de doenças graves. O limite superior (0,1%) coloca esta prática acima de várias atividades comuns. Os riscos variam muito consoante condições técnicas, clima, experiência e preparação.
5. Motociclismo (uso regular)
- ~0,05% ao ano
- Risco: 1 em 2 000
A utilização regular de motociclos está associada a um risco anual maior do que o de conduzir automóveis. Mesmo praticado com segurança, o motociclismo expõe o utilizador a maior vulnerabilidade em caso de acidente.
6. Condução automóvel
- ~0,01% ao ano
- Risco: 1 em 10 000
Embora conduzir seja uma atividade diária e socialmente aceitável, representa um risco anual real, mas relativamente baixo comparado com doenças crónicas. Os números mostram que o risco, apesar de existente, está longe dos cenários frequentemente dramatizados.
7. Queda acidental
- ~0,01% ao ano
- Risco: 1 em 10 000
As quedas acidentais constituem uma causa de morte não negligenciável, sobretudo em idosos. Apesar disso, a probabilidade global anual é idêntica à da condução automóvel.
8. Ciclismo em estrada
- ~0,003% ao ano
- Risco: 1 em 30 000
O ciclismo apresenta risco baixo quando comparado com outras atividades, embora continue sensível a fatores como circulação urbana, infraestruturas e comportamento de outros condutores.
9. Atropelamento
- ~0,003% ao ano
- Risco: 1 em 30 000
Os atropelamentos, embora mediaticamente visíveis, são estatisticamente raros. O risco anual é igual ao do ciclismo em estrada.
10. Homicídio
- 0,0005% a 0,002% ao ano
- Risco: 1 em 200 000 a 1 em 50 000
O risco de homicídio é muito inferior ao risco das doenças mais comuns, acidentes ou tabagismo. A faixa apresentada reflete variações culturais e geográficas, mas continua a ser baixa em termos absolutos.
11. Afogamento
- ~0,0002% ao ano
- Risco: 1 em 500 000
Embora seja uma das principais causas de morte acidental em crianças e jovens, o risco anual geral na população é reduzido.
12. Paraquedismo (por salto)
- ~0,000125% ao ano
- Risco: 1 em 800 000
Este número corresponde à probabilidade por salto, não por ano de vida total. Mesmo sendo uma atividade considerada “de risco”, os números mostram que a mortalidade real é muito rara.
13. Incêndio doméstico
- ~0,00007% ao ano
- Risco: 1 em 1 400 000
Apesar da gravidade dos incêndios, a probabilidade de morte anual é extremamente baixa em países com normas modernas de segurança.
14. Ser atingido por raio
- ~0,000001% ao ano
- Risco: 1 em 10 000 000
É um evento muito raro. A probabilidade de morte por queda de raio aproxima-se do limite estatístico mínimo apresentado.
15. Acidente em avião comercial
Risco: 1 em 10 000 000
O risco associado a voos comerciais está entre os mais baixos da tabela. Mostra que, apesar de receios comuns, o transporte aéreo é um dos meios mais seguros do mundo.
~0,000001% ao ano
O objetivo desta comparação é proporcionar uma compreensão de como as probabilidades podem ser interpretadas.
A comunicação precisa sobre os riscos.
O relatório apresentado no Fórum enfatiza três pontos principais:
Existem evidências observacionais que sugerem possíveis benefícios do consumo moderado de álcool, mas estas evidências não são conclusivas e apresentam limitações significativas.
O consumo de álcool não é isento de riscos, e estes riscos aumentam significativamente com o consumo excessivo, o consumo frequente ou em pessoas com problemas de saúde preexistentes.
Uma compreensão objectiva dos riscos, em vez de os dramatizar ou minimizar, é fundamental para a tomada de decisões informadas a nível pessoal.
Para muitos de nós, o vinho é símbolo de festa, gastronomia, tradição, cultura. No entanto, esse valor cultural não deve impedir uma leitura honesta dos riscos associados. O relatório apresentado no fórum realça precisamente isso: não pretende demonizar o vinho.
Se alguém, no seu equilíbrio pessoal de vida, considera que, por exemplo, um copo de vinho após o jantar traz-lhe bem‑estar psicológico ou social — um momento de alívio, convívio, descanso — essa escolha pode fazer sentido.
Para mim, pessoalmente, no caso do vinho, pode ser utilizado o seguinte exemplo: meio copo de vinho após um dia difícil proporciona-me tanto benefício psicológico que compensa todos os potenciais riscos da semana seguinte.
A vida é interessante; podemos recordar a célebre frase de Winston Churchill: “All I can say is that I have taken more out of alcohol than alcohol has taken out of me.”
Viachaslau

